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CABEÇA SEM MÃOS

A Praça dos Três Poderes – praça central do Plano Piloto de Brasília onde ficam as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário – tem quatro edifícios. Um deles é o Museu Histórico de Brasília, um monolito branco em cuja fachada há uma enorme escultura negra, de cerca de uma tonelada, da cabeça de JK. Ao seu lado está talhada na pedra a mensagem “Ao presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, que desbravou o sertão e ergueu Brasília com audácia, energia e confiança, a homenagem dos pioneiros que o ajudaram na grande aventura”. Essa obra é marcante pela sua localização, afinal, ela é o quarto elemento junto aos prédios centrais dos três poderes do Estado. Mais um louvor a Juscelino Kubitschek, escultórico e arquitetônico, trazendo ao coração da cidade a ideia de uma “grande aventura” da qual os “pioneiros” são sempre apenas os burocratas, engenheiros, arquitetos e políticos. Dos candangos, nem uma palavra. Apenas a cabeça de JK, uma cabeça sem corpo concedendo um valor soberano ao trabalho intelectual, ligando-o ao poder do indivíduo, como se ele construísse as coisas sem o emprego das mãos e sem uma estrutura imensa ao seu redor. 

O modelo tridimensional abaixo foi criado a partir do processamento ↗︎  de fotografias do monumento tomadas de vários ângulos. A limitação das referências – não haviam fotografias de cima ou de baixo da cabeça – criou falhas no modelo: as rachaduras, as áreas imperfeitas, os vazios que também são partes do objeto. Este modo de apropriação daquela cabeça, forçou à evidência os seus vazios constitutivos. Ela era também como a imagem criada mentalmente por um insone que antes, quando acordado, havia visto a imagem da cabeça de JK ao vivo e agora, meio dormindo, meio acordado, completamente exausto, só é capaz de reproduzir essa cabeça frágil, construída de falhas.

"My name is Ozymandias, king of kings:
Look on my works, ye mighty, and despair!"

Nothing beside remains: round the decay
Of that colossal wreck, boundless and bare,
The lone and level sands stretch far away.

 

Percy Shelley, em Ozymandias ↗︎

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